À porta do quarto de todo poeta-não adormecido deve ser pendurada a placa: O POETA-NÃO TRABALHA. Depende do seu sonho a manutenção das estruturas do mundo. Depende do seu sonho a beleza que corroi a ferrugem e expõe os critérios sem imaginação que prendem o sonho à realidade noturna. Depende do Poeta-Não traçar as linhas tortas cujas alças e contornos separam os que poetam-não dos covardes que pastoreiam o bando aterrorizante dos minúsculos ódios diários.
O POETA-NÃO há de ser reconhecido por sua generosidade em fazer publicamente o que poderia fazer apenas para proveito próprio: ele sabe descrever um sonho sem necessariamente torná-lo realidade. São mais duradouros os que permanecem na linha do horizonte: passo a passo passa o compasso e risca o calculado - nossos passos vêm de longe: na travessia, a cada milagre velamos milágrimas.
Há de ser reconhecido pela sua generosidade de fazer em público o que poderia fazer apenas em proveito próprio: todo prosa está na tensão entre a tesoura e o papel. O papel e a personagem. A personagem e a boca. A boca e o beijo entre o perto e o dentro.
O POETA-NÃO tem o direito de acordar cantor, ator, dançarino, modelo, flor. Do seu explosivo poder de colapsar as estruturas que escondem, não a verdade, mas algo que dela deveria derivar por ser muito mais perigosa ao capital: a justiça. A poética que EXTRA! EXTRA! EXTRA! EXTRApola a ideia de que a beleza da flor é proporcional ao que ela tem de precária. ALERTA de spoiler: toda beleza é convulsiva; e por isso o POETA-NÃO escreve com as costas viradas para o mundo.
E, pelo visto, não só nas minhas. Seu legado estético influencia as periferias até hoje. Seu estilo é uma linguagem de sobrevivência e autoafirmação social. Graças a Itamar e a seus precursores, a periferia preta hoje anda“ montada”. Mulheres, homens, trans e cis exibem suas madeixas coloridas e figurinos sob medida, enquanto rumam em direção aos centros das grandes cidades. Vira e mexe, é esse estilo periférico que pauta grandes produtos da indústria da moda e entretenimento.
O POETA-NÃO diz que não anda só, pois dança na gira dos ancestrais, onde nunca é estrangeiro: o Poeta-não avô, a poeta-não mãe, a poeta -não mãe, -não filhas, -não mar, maresia é. Maré. Mar é onde o poeta não anda só: nada é pela margens só, tudo fronteira. "Navegue", estende o poeta-a-mão. Por aqui...
Ana Maria Gonçalves
além dos dentes e dos olhos, vistos por qualquer um dotado de visão, herdei de meu pai a gana pelo trabalho. por elaborar vertentes de acordo com símbolos políticos de esquerda em início, onde se faziam necessárias verdades comuns: direitos, equidades, justiças, desdobramentos de ineditismo, coragem de rompimentos e audácia. já não sei se podemos predicar a esquerda com tais pensamentos no meu tempo de relógio alinhado em um computador apple num presente mundial. reflito. porém, nada disso é matéria quantizada em inventário. meus dentes saudáveis, devo aos ancestrais pretos com ossadas de brilho que chamavam atenção para disputas por seus corpos. trago em minha matéria genética resistência física com sequelas psicoemocionais. meu pai, quando moribundo, tinha apenas os dentes intactos. era impressionante. em sua primeira exumação - cinco anos depois de ser enterrado a sete palmos de filó - lá estavam eles - resilientes ao tempo que carcomeu suas vestes e carne. os dentes. eu não vi com meus próprios olhos que a terra há de comer antes do meu piano, mas soube pela linguaruda fala do coveiro em mais um dia insalubre de trabalho: só restam os dentes. a boca famosa de itamar por falar o que lhe vinha à telha, mas não tão rasamente como sugere o dito, era orgão de deglutinar e vomitar num movimento violento entre o silêncio importantíssimo e vilipendiado de sua postura profissional e a necessidade de dizer enquanto homem preto livre, o que não puderam dizer seus anteriores parentes. pecava, numa interpretação - judaico cristã - pela boca. maldito, lhe alcunharam. os dentes. ora cerrados de cocaína. ora esgarçados num sorriso generoso. mastigavam injúrias e carne de porco no atravessamento de sua existência.dezessete anos de sua morte, confesso réu primária esse crime de amor absoluto. dedico horas dos meus dias a enaltecer sua vida e também a uma boa escovação dos meus brilhantes dentes que jamais viram um aparelho ortodôntico graças ao ancestral de força surgido numa África nigeriana ou quêniana e serra leonense - me diz o teste moderno de d.n.a. povo de ossamento firme e musculatura tecnológica - não quantizada em inventários, lembremos.
eu, mestiça, aos quarenta, percebo a importância de sublinhar minha árvore ancestral africana, visto que minha porção branca está encaixada em documentos que tenho acesso no museu do imigrante, na minha cidade, são paulo - e também através do cancioneiro d o c u m e n t a d o de meus ancestrais euro colonizadores. um passaporte italiano parece ter mais valor que meus dentes, porém enquanto matéria, será corroído pela generosidade do tempo bem antes que meus caninos. fato.
enquanto afro bege, me permito navegar em memórias ancestrais misturadas. deixo que decante o que não precisa ser enaltecido neste agora, e escavo arqueologicamente o que me foi negado de saber sobre nós. ora encontro combustível que me faz continuar, ora encontro espinhas intactas que me fazem continuar também. nada nessa escavação é um acaso que sugere pausa. sou arqueóloga de mim num desejo sublime de encontro e conhecimento. eis o viés da minha herança.
ando com pretos, brancos e não brancos num eterno traspassamento de localização elaborada.
aos críticos de plantão faço um chamamento:
senta aqui comigo nessa pedra,
vamos dar um mergulho interior.
anelis, outubro de 2020. 32 dentes naturais.
Faceamos aqui uma presença-outra de Itamar Assumpção. Ascende no horizonte a sua memória não-patrimonial, contra-colonial, do que não morre de começos e acontecências. O Nego, além de Dito, é multiplamente traduzível. Traduzir numa acepção de tempos e linhas de força, e não de línguas; não de técnicas ou sintaxes; talvez, mais de morfologia, se morfologia de um corpo negro, oferendando um abrangente devir negro a quem ainda deseja (en)cantar o que vive — com alfanje, tecnologia por inventar e a beleza adensada da sofisticada seiva de Osanyin. Trata-se, portanto, de Itamar entre agora e a ancestralidade, que são (a)o mesmo tempo. É levá-lo pelas frequências poiéticas iorubanas à engrenagem de um oriki — realização poemática no mundo, fato poético na carne e na ausência, fato poético no que bifurca cruzando, fato poético no sonho das orquídeas. É levar-lhe a invenção aberta, ainda ressonante, criando futuros (nas grotas do presente) vestidos todos com ojás, em circuito brincante, adornando a ciência dos pratos de comida que alimentam o ori-cabeça, o ori-destino, o orifício cantante e breve (feito Isca de Polícia). Itamar em iorubá é a ativação tanto do que nos funda quanto do que lutamos para nos esperar. Significa que os orixás “mandaram descer pra ver”, mais uma vez na história, depois dos Filhos de Gandhi, o primeiro museu de um artista negro no Brasil. Nesse sentido, a centralidade da língua iorubá está na evocação negro-diaspórica das diversas linguagens africanas em dinâmica: viração, variação, volição. Vê-se, como Zózimo em “Alma no olho”, a ruptura das correntes alvas quando as inteligências circulam irrefreáveis entre Oyó, Ketu, Daomé, Kongo, Ndongo, Haiti, Cuba, Estados Unidos, Brasil e outras artes… entre o território chegante e a vida bastante. No quilombo de Itamar, Beatriz e seu “ntu” falam do círculo contínuo da história e da independência em relação à morte… claro… Beatriz será sempre o nosso Nascimento, assim como Itamar será sempre a Assumpção de que estamos na Vanguarda — necessariamente, sem militares, sem polícia e sem salvação.
Tiganá Santana
Isca de Polícia, "Me chamo Benedito João dos Santos Silva Beleléu, Vulgo Nego Dito, Nego Dito cascavé... Apaguei um no Paraná, pá, pá, pá, pá!”
Lá pelos meus 15 anos conheci a discografia do Itamar, meados dos anos 2000. Me apaixonei quase que instantaneamente por aquela voz aprumada cantando num português limpo, quase sem sotaque.
Soft Power é quando um corpo político usa meios culturais para influenciar diplomaticamente outros corpos políticos. A música de Itamar Assumpção é Soft Power político. De maneira branda, retrata vários problemas sócio-raciais. Suas críticas e observações em forma de música é uma experiência sinestésica mágica que, quase inconscientemente, move o corpo de quem a experimenta.
Mas Itamar não me fascina apenas pela sua criação musical. Para mim ele é uma entidade viva que habita meu repertório imagético, com seu estilo afro-futurista à la Sun Rá. Sua figura garbosa e esguia, dominada pela sua presença de espírito, está entre as minhas referências em moda e arte.
E, pelo visto, não só nas minhas. Seu legado estético influencia as periferias até hoje. Seu estilo é uma linguagem de sobrevivência e autoafirmação social. Graças a Itamar e a seus precursores, a periferia preta hoje anda“ montada”. Mulheres, homens, trans e cis exibem suas madeixas coloridas e figurinos sob medida, enquanto rumam em direção aos centros das grandes cidades. Vira e mexe, é esse estilo periférico que pauta grandes produtos da indústria da moda e entretenimento.
Sua escolha pela carreira independente, se posicionando contra a política abusiva e racista das gravadoras, inspira. Nos mostrou que vale a pena sonhar e que é possível vencer as adversidades materiais. Itamar é símbolo de integridade diante de um sistema que privilegia os não-negros.
Em “Vá cuidar de sua vida”, canção do preto Geraldo Filme, estrategicamente interpretada por Itamar, revela as mazelas do racismo estrutural e da hipocrisia da sociedade brasileira. Suas tantas ocupações e talentos profissionais para garantir a vida são genialmente narrados como ficção na balada “Vida de artista”, um auto relato fiel. Porém, minhas favoritas seguem sendo as românticas: “Tua Boca”, “Finalmente”... me derreto! E “ Milágrimas”? Uma delicada medicina naqueles dias de TPM aguda.
Em “Vá cuidar de sua vida”, canção do preto Geraldo Filme, estrategicamente interpretada por Itamar, revela as mazelas do racismo estrutural e da hipocrisia da sociedade brasileira. Suas tantas ocupações e talentos profissionais para garantir a vida são genialmente narrados como ficção na balada “Vida de artista”, um auto relato fiel. Porém, minhas favoritas seguem sendo as românticas: “Tua Boca”, “Finalmente”... me derreto! E “ Milágrimas”? Uma delicada medicina naqueles dias de TPM aguda.
Sabe aquela sensação de beijo na boca? De poesia apaixonada? Aquela sensação que mistura sensualidade com uma vontade louca de viver? Para mim, esse é o legado do nosso ancestral "estileira”: essa sensação de “ boa onda”. Uma trajetória artística rica não apenas em imagens, mas em letras e resistência singulares. Vale a pena visitar e revisitar sua obra inúmeras vezes.
Celebremos a contribuição intelectual e cultural que Itamar ofereceu ao nosso povo. Celebremos Itamar (ontem e hoje!) e seus descendentes que dão continuidade ao seu legado.
Viva o Museu virtual Itamar Assumpção!
Mônica Ventura
Na minha opinião um museu contando e preservando a história de Itamar Assumpção é algo grandioso.
Um artista, um pensador de uma época da humanidade como ele foi nos anos 70, anos 80, do nosso século XX
em uma cidade gigante como São Paulo - cidade que faz parte de um continente como é o Brasil, ser lembrado
como ele foi é representativo.
Pois ele como um homem negro, pensador da sua época, colocando e narrando a historia do seu ponto de vista
do seu lugar de fala de um homem negro paulistano em uma cidade altamente racista, cidade esta que esmagou a
cultura afro paulistana. São Paulo foi uma das últimas cidades a abolir a escravidão, cidade altamente punitiva em relação
a cultura negra e a religiosidade do afro brasileiro.
Por isso tudo realmente é muito importante para todos os artistas negros ver um nome forte marcando território
e esse lugar de fala do artista, do intelectual, do homem e do cidadão negro brasileiro.
Veja bem porque, porque é uma coisa diferente, é diferente quando uma civilização se sobrepõe a outra e apaga todos os vestígios de uma outra civilização como foi feito com a história do africano e dos seus descendentes como foi feito em São Paulo.
Pois se você quiser saber, você tem que buscar em livros raros, fotografias e registros raros que falam dessa civilização negra na cidade.
Esse é meu ponto de vista sobre as coisas que eu vejo e tenho lido e procurado saber, é dessa forma que eu vejo.
Mano Brown
Itamar Assumpção foi um brilhante músico, como também um rebelde a marchar contra os pactos estabelecidos para a plasticidade das letras mortas de sentido pela indústria cultural vigente, que viu nele um adversário de peso. Viveu a beleza e a dureza de ser independente, num país de capitanias hereditárias pouco afeito a esse formato.
Antes de sequer nos pensarmos como seres humanos, a colonialidade secular do país se impõe nas nossas relações interpessoais, prescrevendo comportamentos esperados. Para o negro, impõe-se o “Sim, senhor”. Somos enxergados como objetos a serviço da supremacia branca que se reinventa para a manutenção da opressão de um grupo racial, que detém todo o poder econômico, sobre o outro.
Naqueles do grupo oprimido que são enxergados potencial financeiro diante da mobilização de público que carrega, espera-se a adesão a contratos leoninos, a shows com pouco ou nenhum sentido apenas para agradar o senhor dono da indústria musical, a pasteurização de suas letras para produção do menor incômodo possível – de preferência incômodo algum.
Itamar lutou contra tudo isso, e de quebra celebrando a negritude. Como afirma o babalorixá Sidnei Barreto, a cada camada de negro que você cobre seu ori e seu corpo, maior o incômodo anticolonial que você desperta. Um homem negro, genial, independente, de candomblé, que partia de saberes ancestrais para suas músicas de vanguarda certamente estava destinado a fazer o barulho que fez na cena cultural brasileira, uma obra transformadora.
Vida longa ao Museu Virtual Itamar Assumpção, mais uma iniciativa a coroar a imortalidade desse artista popular, que ‘maldito’ na boca colonial, promoveu, além de uma música brilhante, fissuras por onde a ginga do povo negro se infiltra e segue seus passos para continuar resistindo e criando novas formas de vida e existência no país.
São Paulo, 25 de setembro de 2020
Djamila Ribeiro
Ser poeta é um tipo de destino, um tipo de gen, um tipo de coisa que acontece com uma pessoa e não faz diferença que ela queira ou não.
Uma prova de que não adianta querer, se não nasceu com essa esquisitice não vai acontecer. Pode estudar tanto quanto qualquer poeta, no máximo vai criar umas frases bem concatenadas, mas sem a graça e o mistério que a verdadeira poesia tem.
Outra prova é que tem gente que é poeta e não sabe que é. Acontece.
É raro, mas acontece. A maior prova é que aconteceu com Itamar.
Jogador de futebol, ator, músico, multi-instrumentista, compositor, cantor:
fazia tudo isso com a maior poesia e ainda dizia que era “poeta não”.
Só um grande poeta seria capaz de tanto.
Em Nego Dito Beleléu e Às Próprias Custas a gente vê mais o dramaturgo, o contista, o cronista, porque ele adorava criar um roteiro, um argumento, contar uma história, ou seja, sempre foi escritor, só que em tudo isso tem um poeta dizendo presente, passado e, principalmente, futuro.
Um poeta que começa a se assumir mais e a escancarar no Sampa Midnight, ainda bem. Deve ser por isso que esse é meu disco favorito do Itamar e, como ele me confessou, o dele também.
Mas nos próximos discos, até o fim, ele se divertiu versejando todos os gêneros musicais, do samba ao rock, e muito especialmente, aquele gênero que ele criou, só seu, com poucas notas e um ritmo/ruído estranhamente novo, e que já fez sua escola.
Sua palavra é igualmente nova e cria o mesmo estranhamento que suas linhas melódicas. Tudo perfeitamente casado na sua novidade.
Tudo a serviço de um dizer político, guerreiro, em defesa de uma ideologia ética sem nunca abrir mão da estética e, principalmente, sem que aparecesse o esforço nesse criar. Como a melhor arte deve ser.
Tudo na sua canção flui como se esse novo, que provoca e surpreende, sempre tivesse existido, ou, pelo menos, estivesse vivo desde sempre, apenas esperando por ele, para vir à tona.
Itamar flui como se fala. E sua fala quer dizer além do que diz, na forma e no conteúdo, também e perfeitamente casados.
Sua sutileza guarda vários significados além da primeira leitura.
Por isso, sua fala é do tipo que continuará falando por décadas até ser entendida totalmente. Por que sua palavra é enorme, vai atravessar os tempos, vai continuar provocando, inspirando, e vai ficar colada no ouvido da história.
Alice Ruiz
Numa nação como a nossa, em que o processo civilizatório está irremediavelmente associado à fusão de vários povos e culturas, autóctones ou provenientes de fora, é necessário atentar para o papel de cada um desses povos e culturas, no todo e em particular, ao encaminharem esse processo. Assim como o branco europeu, contribuem para o amálgama brasileiro as gentes africanas, asiáticas e ameríndias. À língua portuguesa da matriz colonial, juntam-se os inúmeros modos de falar, de dizer, de cantar dos povos que se encontraram e se encontram aqui: os modos afro-brasileiros, os modos indígenas, os orientais e tantos mais.
Um museu da memória de artistas negros vem afirmar a particularidade da contribuição africana no que tange a imensa participação dos tecelões das linguagens crioulas na criação dessa barroca tapeçaria cultural brasileira.
O Museu Virtual Itamar Assumpção nada mais é que o reconhecimento da grandiosidade da vida e da obra de um dos mais profundos artistas surgidos entre nós ao longo dessa história de sofrimento, luta e superação do negro na formação do Brasil. “Não me toquem nessa dor. Sofrer vai ser a minha última obra”, ressoam as palavras de Paulo Leminski na voz da melodia audaz de Itamar a escandir seus versos comoventes. Memória preta. Possibilidade negra de existir. Fonte cristalina de fluidos ancestrais.
O Museu Virtual Itamar Assumpção está aqui a firmar, a fixar nossos olhos no além-mar que nos trouxe até aqui e que daqui nos levará aonde mais nossa alma negra queira ir. Nossos olhos úmidos dos quais, no dizer da grandiosa parceria entre Ita e Alice Ruiz, “a cada mil lágrimas sai um milagre”.
Gilberto Gil.
“Sou afro brasileiro puro”, dizia Itamar Assumpção na letra de “Cabelo Duro”, faixa do álbum Isso Vai Dar Repercussão, que gravou em parceria com Naná Vasconcelos em 2003. Afim de afirmar sua pretitude, afirmava também a contradição que contém a ideia de ser afro-hífen-brasileiro e a ideia de pureza. Só quem é fruto de séculos de histórias de trânsitos, viagens e atravessamentos pode carregar em si tamanha complexidade.
Coincidentemente, ou não, Ita é o nome que se dava aos paquetes brasileiros, barcos a vapor que transportavam cargas e pessoas. Itagiba. Itapagé. Itahité. Itajubá. Itamar. Corpo-embarcação navegando pelas veias abertas do Atlântico Negro e seus fluxos sanguíneos, recebendo impulso do hálito marítimo. O Oceano que liga a África às Américas é uma entidade viva e movente. Mais que isso, é local de entrecruzamentos, é o caminho.
“Afro brasileiro puro” é uma exposição de longa duração sobre a trajetória deste músico ímpar, cantor, compositor e poeta. Entretanto, no país do delírio da democracia racial, é preciso dizer ao que se veio: conta-se aqui a trajetória de um artista negro, vindo do interior, que encontrou em São Paulo seu porto. Músico independente, pai, marido, irmão, amigo. Itamar foi Humano, acima de tudo, esse tipo de ser preenchido de dignidade. Sua vida é um espelho de muitas outras e sua obra um caleidoscópio músico-visual. Como dirá Tiganá Santana, “O Nego, além de Dito, é multiplamente traduzível” e ultrapassa as relações “entre agora e a ancestralidade, que são (a)o mesmo tempo”.
Em uma espiral, o discurso expositivo apresenta o material do acervo em relação com importantes narrativas negras, revelando documentos, imagens, vídeos, figurinos, objetos, multiplicando a potência artística de Ita. Ida e volta no tempo em uma busca por novas maneiras de narrar.
Equipe curatorial
Ana Maria Gonçalves, Anelis Assumpção,
Frederico Teixeira e Rosa Couto.
“Houve um tempo em que a terra gemia
E o povo tremia de tanto apanhar
Tanta chibata no lombo que muitos
morriam no mesmo lugar.
(...)
Liberdade além do horizonte, morreu tanta
Gente de tanto sonhar. Foi Zumbi!”
1942 - Ataulfo Alves e Mario Lago lançam o samba “Ai que saudades da Amélia”- 1942 - Nasce Jimi Hendrix - 1947 - Luiz Gonzaga lança “Asa Branca” 1942 - Ataulfo Alves e Mario Lago lançam o samba “Ai que saudades da Amélia”- 1942 - Nasce Jimi Hendrix - 1947 - Luiz Gonzaga lança “Asa Branca” 1942 - Ataulfo Alves e Mario Lago lançam o samba “Ai que saudades da Amélia”- 1942 - Nasce Jimi Hendrix - 1947 - Luiz Gonzaga lança “Asa Branca” 1942 - Ataulfo Alves e Mario Lago lançam o samba “Ai que saudades da Amélia”- 1942 - Nasce Jimi Hendrix - 1947 - Luiz Gonzaga lança “Asa Branca”
Em 1949 nasce Itamar de Assumpção* na cidade de Tietê, no interior de São Paulo, onde viveu com a avó até os 12 anos. Esta cidade surgiu devido a ação dos bandeirantes, que invadiram o interior do Brasil à procura de metais preciosos e indígenas para escravizar. Ao longo do tempo, a cidade recebeu um número significativo de africanos e afrodescendentes de outras regiões do Brasil como mão de obra escravizada. Uma das formas de sociabilidade dos negros e negras nesta cidade eram os Batuques de Umbigada, manifestações da cultura popular negra que seriam muito importantes para a formação performática de Itamar Assumpção.
Também nasce, na capital paulista, o Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Nenê de Vila Matilde, situado na Zona Leste de São Paulo, há poucos quilômetros de onde Itamar moraria e morreria anos mais tarde.
No alvorecer da década de 1950, Adoniran Barbosa lançava seu clássico “Saudosa Maloca” e, anos depois, estreavam Ataulfo Alves e Elza Soares, com seu rasgante Bossa-Negra. O rádio era a grande atração na casa dos brasileiros, modelando a escuta e o gosto musical de diversas gerações.
“Ele ganhou um violãozinho e tinha vontade de aprender, mas como a gente não tinha condições de comprar um violão novo, ele falou: ‘Eu vou tentando com esse mesmo’. Aí ele começou.”
1951: É promulgada a Lei Afonso Arinos que proíbe a discriminação racial no Brasil - 1952: Frantz Fanon lança o livro “Peles Negras, Máscaras Brancas” 1951: É promulgada a Lei Afonso Arinos que proíbe a discriminação racial no Brasil - 1952: Frantz Fanon lança o livro “Peles Negras, Máscaras Brancas” 1951: É promulgada a Lei Afonso Arinos que proíbe a discriminação racial no Brasil - 1952: Frantz Fanon lança o livro “Peles Negras, Máscaras Brancas” 1951: É promulgada a Lei Afonso Arinos que proíbe a discriminação racial no Brasil - 1952: Frantz Fanon lança o livro “Peles Negras, Máscaras Brancas”
A década de 1960 é fundante. O Brasil sofre as consequências do golpe militar de 1964. Em 1966, é fundado o Partido dos Panteras Negras em Oakland, Califórnia, EUA. No início desta década Maria Carolina de Jesus lançava seu “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, expondo de maneira íntima e poética a situação de precariedade de muitas famílias pretas no Brasil.
1961 – O menino Ita muda-se para Arapongas, pequeno município próximo a Londrina, no Paraná e passa a morar com seus pais. Nessa cidade, Itamar passa a fazer parte o GRUTA, Grupo de Teatro de Arapongas, dirigido por Nitis Jacon. Com o passar do tempo, Itamar aventurou-se na vida cultural londrinense, participando dos festivais de música e teatro que tornaram aquela cidade famosa. Junto com o GRUTA, Itamar encena Arena conta Tiradentes, sendo ele o personagem principal, um Tiradentes negro.
Em 1967, Milton Nascimento lançava seu icônico Travessia.
O músico seria uma das grandes referências musicais de Itamar.
lada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBAfavelada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBA lada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBAfavelada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBA lada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBAfavelada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBA lada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBAfavelada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBA lada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBAfavelada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBA lada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBAfavelada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBA
“...Deu blecaute na Paulista
Breu no Trianon
Cadê a Consolação?”...
Em 1973 - Itamar Assumpção apresenta-se no Festival Na Boca do Bode, que aconteceu no Teatro Universitário da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Ainda em Londrina, o nome Isca de Polícia teria vindo de uma prisão de Itamar ao portar um gravador de seu amigo Domingos Pelegrini. No mesmo ano, o músico se muda para São Paulo, passando a viver com os amigos Arrigo e Paulo Barnabé em uma república. As colaborações musicais entre os três se intensificam.
O impacto que o “moleque saci” Itamar sofreu ao desembarcar e viver numa metrópole como São Paulo, que na década de 1970 se expandia em direção às periferias, marcou intensamente sua vida e sua música. Como o próprio artista dizia “São Paulo é outra coisa, não é exatamente amor, é identificação absoluta”. Essa relação com a cidade, suas contradições e suas personagens vai atravessar diversas de suas composições.
Em 1973 Bob Marley e The Wailers lançam seu primeiro disco - Catch a Fire, álbum que internacionaliza o Reggae jamaicano, ritmo de raízes africanas que marca presença no Brasil, principalmente no Maranhão.
Em 1975 Itamar Assumpção casa-se com Elizena Brigo e passa a morar na Penha, Zona Leste de São Paulo, trabalhando como entregador de carnês de IPTU.
Em 1977 nasce Serena Assumpção, a primeira filha do casal e a segunda filha de Zena, que anteriormente era viúva e já tinha uma filha do casamento anterior, Celina.
“Girei esse tempo todo
Batendo de porta em porta
À procura de um abrigo, um apego, um horizonte
Tentando de cabo a rabo
São Paulo
De ponta a ponta
Na batalha de sossego, alívio, ou mesmo a morte...”
1960: Maria Carolina de Jesus publica “Quarto de Despejo - Diário de uma favelada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBA 1960: Maria Carolina de Jesus publica “Quarto de Despejo - Diário de uma favelada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBA 1960: Maria Carolina de Jesus publica “Quarto de Despejo - Diário de uma favelada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBA 1960: Maria Carolina de Jesus publica “Quarto de Despejo - Diário de uma favelada” - BRASIL - 1960: Célia Cruz - Cuba’s Foremost Rhythm Singer - CUBA
Em 1980, Itamar lança seu icônico disco Beleléu Leléu Eu, pelo selo Lira Paulistana e assume definitivamente o gerenciamento independente de sua carreira, estreando nos festivais e palcos paulistanos.
Beleléu já nasceu clássico, tornando-se um dos discos mais importantes da música popular brasileira, reunindo praticamente todas as características que fariam de Itamar Assumpção um sinônimo de qualidade musical: experimentalismo sonoro; intersecção entre o visual (capa, encarte) e musical; performances marcadas pela teatralidade; letras complexas e intrincadas aos coros que funcionam como verdadeiros naipes de sopro.
As técnicas de colagem e sobreposição de símbolos utilizados por Itamar Assumpção na construção da capa e do encarte, estão em consonância com o universo das artes visuais e linguagem afrofuturista da época.
A música que, de certa maneira, dá o título para esse primeiro álbum conta as peripécias de Nego Dito, personagem eternizado na figura de seu próprio criador.
Em 1987, Nego Dito se populariza na interpretação samba rock de Branca di Neve em seu disco Branca Mete Bronca.
“Eu me invoco, eu brigo
Eu faço, eu aconteço
Eu boto pra correr
Eu mato a cobra e mostro o pau
Pra provar pra quem quiser ver e comprovar
Me chamo
Benedito João dos Santos Silva Beleléu
Vulgo Nego Dito, Nego Dito cascavé”
Além do lançamento do disco, Itamar Assumpção e sua banda Isca de Polícia fazem uma temporada de shows no Teatro Lira Paulistana, divulgando o trabalho recém lançado. O palco preparado para esta temporada de shows era cercado por cordas que imitavam uma cela de prisão, pensada para conter Beleléu e seu “perigosíssimo” bando, formado à época por Denise Assunção, Suzana Salles, Vânia Bastos, Luiz Chagas, Paulo Lepetit, Gigante Brazil, Virgínia Rosa e Rondó.
O Lira Paulistana era um espaço independente e aberto a múltiplas linguagens artísticas. Foi fundamental como espaço de divulgação e sociabilidade entre artistas da então chamada Vanguarda Paulista até meados da década de 1980. No mesmo ano de 1980 Arrigo Barnabé lança seu Clara Crocodilo, consagrando-o como um dos grandes nomes da música independente paulistana da década, juntamente com Itamar Assumpção.
O ano de 1980 é marcado pelo nascimento da segunda filha de Ita e Zena, Anelis Assumpção que, quando criança, acompanha o pai em ensaios e gravações e, depois de crescer, torna-se companheira de palco.
Em 1981 Itamar Assumpção e a banda Isca de Polícia lançam o disco- espetáculo Às Próprias Custas S.A. pelo Selo ISCA, criado por ele para dar vida a este trabalho que, como o nome já diz, foi custeado pelo próprio artista. Gravado a partir de uma série de shows na
Sala Guiomar Novaes, na FUNARTE-SP esse disco traz releituras autênticas de artistas como os “desbundados” Jards Macalé e Waly Salomão e uma versão originalíssima de Noite de Terror, hit da Jovem Guarda anteriormente interpretado por Roberto Carlos.
Em 1983 Itamar Assumpção conhece o casal Alice Ruiz e Paulo Leminski, dois grandes nomes da literatura brasileira, respectivamente ligados à “geração mimeógrafo” e à criação de haikais, técnica japonesa de composição de poemas curtos e sintéticos. Esse encontro será transformador e a influência dessa amizade e das parcerias que estabelecem podem ser vistas já no terceiro disco de Ita, Sampa Midnight.
Sampa Midnight é lançado em 1985, em pleno processo de dissolução da cena independente à qual Itamar estava vinculado, em torno do Lira Paulistana, que havia fechado as portas naquele ano. Esse disco, que já aponta para uma mudança musical, é recheado de letras repletas de devaneios como “Z da Questão Meu Amor”, “E o Quico?”, “Sampa Midnight” e por parcerias como “Navalha na Liga”, fruto de uma reorganização feita por Ita de poemas de Alice Ruiz. A poesia que abre o disco e antecede a faixa “Prezadíssimos Ouvintes” é uma adaptação do poema “Novo”, de Paulo Leminski.
“O novo não me choca mais
nada de novo sob o sol
O que existe é o mesmo ovo de sempre chocando o mesmo novo”
“A gaveta da alegria
já está cheia
de ficar vazia”
1982: Geraldo Filme lança álbum “O Canto dos Escravos” com Clementina de Jesus e Doca - BRASIL 1982: Geraldo Filme lança álbum “O Canto dos Escravos” com Clementina de Jesus e Doca - BRASIL 1982: Geraldo Filme lança álbum “O Canto dos Escravos” com Clementina de Jesus e Doca - BRASIL 1982: Geraldo Filme lança álbum “O Canto dos Escravos” com Clementina de Jesus e Doca - BRASIL
Em 1988, mais parcerias irão se consolidar no disco Intercontinental! Quem Diria! Era só o que faltava!!!, lançado pela Continental, gravadora nacional. Apesar de ser o primeiro disco lançado por uma gravadora fora da cena independente, Itamar manteve ao máximo possível sua autonomia musical, compondo faixas que se mantêm atuais como “Adeus Pantanal”, com participações de Alzira e Tetê Espíndola, cantoras e compositoras nascidas no Mato Grosso do Sul.
“Eu nasci e vivo no Brasil, então
Eu fui à Corumbá pra no Pantanal olhar a bicharada
E fui pra ver, não vi, que decepção senti
Vi quase nada”
Em 1987 Gilberto Gil torna-se presidente da Fundação Gregório de Matos, instituição voltada para a cultura afrobrasileira. Durante sua gestão, intensificou a relação Bahia-África, fundando em Salvador a Casa de Benin, e no Benin em Ouidah, a Maison du Brésil.
Em 1988, Itamar e sua banda, formada por Paulo Lepetit, Gigante Brazil, Denise Assumpção e Luiz Waack se apresentam pela primeira vez na Alemanha, convidados para uma série de eventos relativos ao Centenário da Abolição da Escravatura no Brasil, durante a Documenta de Kassel, uma das maiores exposições de arte contemporânea do mundo. Com shows em Hamburgo, Berlim, Nuremberg, Bremen e Kassel. Itamar inaugura uma intensa relação de troca artística com o país, tendo na sequência dois de seus discos lançados no mercado fonográfico alemão, pela Messidor, gravadora que já havia lançado nomes como Piazzola e Tito Puente.
A recepção do público e da crítica foram muito positivas e, segundo o jornal Hessisch-Niedersächsisch Allgemeine, a música de Ita e sua banda Isca de Polícia soava como um “aperfeiçoamento pós- industrial da tradição musical africana”.
Itamar Assumpção volta outras vezes à Europa pelas portas da Alemanha, numa delas acompanhado por Suzana Salles, Ná Ozetti e Bocato, e na outra, por Alzira Espíndola; além da dupla de violonistas Duofel.
A década muda e também o mutante Itamar continua em constante busca de invenção e rompimentos. Rita Lee grava pela primeira vez uma composição em parceria com Itamar, ‘Só Vejo Azul’, em seu disco Todas as Mulheres do Mundo. Ela será uma das comparsas musicais de Itamar, que ao lado de Alice Ruiz, Alzira Espíndola, Vera Motta e outras, define parte de seu cancioneiro assumindo parcerias com mulheres, vozes menos presentes no mercado.
Neste momento de feminismo inconsciente, Itamar monta uma banda só de mulheres, as Orquídeas do Brasil, sendo o primeiro cantor de sua geração a ter tal atitude. Com essa banda lança, em 1994, a trilogia Bicho de 7 Cabeças.
As Orquídeas, como carinhosamente eram chamadas as integrantes da banda, marcaram um período em que Itamar se preocupou ainda mais com o emaranhamento das palavras e a beleza das linhas melódicas. Eram elas: Simone Julian, Simone Sou, Clara Bastos, Tata Fernandes, Geórgia Branco, Nina Blauth, Miriam Maria, Adriana Sanches e Lelena Anhaia.
A trilogia Bicho de 7 cabeças conta com parcerias com Tom Zé, Jards Macalé, Alice Ruiz, Alzira Espíndola e Paulo Leminski.
Nos anos 1990, suas composições passam a atrair, além de Rita Lee, importantes intérpretes da MPB como Ney Matogrosso, Cássia Eller e Zélia Duncan.
Além de se firmar como letrista e um excelente arranjador autodidata, Itamar chama atenção do mundo por sua exuberância estética marcada pelo uso de óculos de sol e figurinos pensados por ele e muitas vezes modelados e costurados por Zena. Sempre em diálogo com seus irmãos e irmãs em diáspora e com a elegância e audácia herdadas de uma África singular.
Em 1995, em projeto que mesclava Orquídeas e Iscas, Itamar lança o álbum Ataulfo Alves - Pra Sempre Agora, em que realiza releituras de músicas de Ataulfo Alves, sambista cuja obra estudou durante três anos, num processo de verdadeira recomposição de suas canções. Provocativo, ousado e criativo, este álbum foi uma resposta àqueles que acreditavam ser possível “dar enquadro” em Beleléu, tentando encaixá-lo em algum tipo de rótulo.
Em 1998 Itamar lança o primeiro disco do que também viria a ser uma trilogia: “Pretobrás I - por que que eu não pensei nisso antes?”. Neste mesmo ano, Itamar Assumpção ganha o prêmio de melhor compositor pela Associação Paulista de Críticos de Arte, a APCA.
Com uma carreira sólida e constantemente premiada, embora sob a alcunha de maldito e todas as dificuldades enfrentadas no mercado fonográfico, Itamar se consolida depois de nove álbuns lançados totalmente na contra mão da indústria.
1990: Racionais MC’s lançam o EP de estreia “Holocausto Urbano” - BRASIL - 1990: Denise Assunção lança o álbum “A Maior Bandeira do Brasil” - BRASIL 1990: Racionais MC’s lançam o EP de estreia “Holocausto Urbano” - BRASIL - 1990: Denise Assunção lança o álbum “A Maior Bandeira do Brasil” - BRASIL 1990: Racionais MC’s lançam o EP de estreia “Holocausto Urbano” - BRASIL - 1990: Denise Assunção lança o álbum “A Maior Bandeira do Brasil” - BRASIL
Penha de França é o segundo bairro mais antigo de São Paulo, depois de Santo Amaro. Quem já se aventurou a pegar o metrô, a Radial Leste ou a Marginal Tietê e chegar até a Penha consegue compreender porque Itamar Assumpção amava viver ali.
Cheia de vielas, íngremes subidas, feiras, mercadinhos e casebres, a Penha é o refúgio perfeito pra quem tem o interior dentro de si, pra quem é matuto, saci. Essa era uma das múltiplas facetas de Ita, que gostava de passear pelo largo onde fica a Igreja construída em 1802 por mulheres e homens escravizados, membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Bem ao lado da Igreja fica o Teatro Martins Penna, no Centro Cultural da Penha, no qual Ita apresentou-se mais de uma vez.
Além desses espaços no “centrinho” antigo do bairro, Itamar gostava de caminhar e chegar até a Sociedade Amigos de Vila Beatriz para jogar truco, bocha e gastar um tempo no bar da Jandira. Viveu ali na Zona Leste com sua família de 1976 até o final de sua vida, homenageando esse ponto da cidade no volume II da Trilogia Bicho de 7 cabeças, com a canção Nobody Knows, cheia de bom humor.
Em 2002 Ita realiza um show histórico com Elke Maravilha, eternizado pela interpretação da música Dor Elegante, parceria com Leminski, atravessada pela atuação de Elke como a Morte.
“Elke mulher maravilha
Uma deusa pagã um sonar
Um altar uma trilha”
Em 2003, após uma longa luta contra um câncer, o velho Ita sai de cena, mas não sem antes deixar o palco arrumado para o que viria depois. Um ano após sua partida para o mundo dos ancestrais foi lançado o disco em parceria com Naná Vasconcelos, Isso vai dar Repercussão, iniciado quando Itamar já estava em tratamento. A produção final, em sua ausência, fica nas mãos de Paulo Lepetit e Bocato.
Itamar não parte, também, sem pegar no colo a primeira neta, Rubi, filha de Anelis Assumpção nascida em 2002.
Em 2005, a pedido de Itamar, sua obra é transcrita por Clara Bastos e organizada por Luiz Chagas e Mônica Tarantino, nos dois volumes de Pretobrás - Por que que eu não pensei nisso antes? O livro de canções e histórias de Itamar Assumpção.
Em 2006, Ana Maria Gonçalves lança seu primeiro livro que viria a ser um best seller - Um defeito de Cor.
2001: Tinariwen estreia com o álbum “The Radio Tisdas Sessions” - MALI - 2003: Chimamanda Adichie lança seu livro “Hibisco Roxo” - NIGERIA 2001: Tinariwen estreia com o álbum “The Radio Tisdas Sessions” - MALI - 2003: Chimamanda Adichie lança seu livro “Hibisco Roxo” - NIGERIA 2001: Tinariwen estreia com o álbum “The Radio Tisdas Sessions” - MALI - 2003: Chimamanda Adichie lança seu livro “Hibisco Roxo” - NIGERIA
Em 2010, o Selo Sesc relança toda a discografia de Itamar Assumpção, acrescentando dois álbuns até então inéditos, continuidades da trilogia Pretobrás: o volume II - Maldito Vírgula, produzido por Beto Villares e o Volume III - Devia Ser Proibido, produzido por Paulo Le Petit.
Em 2011 o diretor de cinema Rogério Velloso lança Daquele Instante em Diante, documentário sobre a vida de Itamar Assumpção e sua trajetória na música, com depoimentos de pessoas que trabalharam com Ita, além de suas familiares.
Neste mesmo ano, nasce Benedito - segundo filho de Anelis, que leva o nome em homenagem ao avô.
Neste Em 2013 são publicados os “Cadernos Inéditos”, que reúne num único livro os escritos de Itamar Assumpção: poesias, letras de música e ideias. Esta obra foi organizada pelas filhas Anelis e Serena Assumpção e por Elizena Assumpção, auxiliadas por Marcelo Del Rio, compositor e amigo da família. ano, nasce Benedito - segundo filho de Anelis, que leva o nome em homenagem ao avô.
Em 2014 é lançado o documentário Reverberações, sobre a obra de Itamar Assumpção, dirigido por Cláudia Pucci e Pedro Colombo.
Em 16 de março de 2016 Serena junta-se ao pai no Orum e, como fez Itamar, deixou uma obra. O disco Ascensão é um álbum musical baseado na pesquisa sobre o Candomblé, organizado para ser levada ao mundo. Serena o deixou pronto, e seu lançamento foi pouco depois de sua partida, ganhando uma indicação ao Grammy Latino como melhor álbum de música de raízes brasileiras.
Naná Vasconcelos, parte uma semana antes de Serena, em 9 de março.
O ano de 2019, quando Itamar Assumpção faria 70 anos, foi marcado por intensas comemorações, que incluíram encontros, eventos acadêmicos e até um palco especial no maior evento cultural do mundo que acontece na cidade São Paulo, a Virada Cultural.
Neste mesmo ano ocorreu a estreia de Pretoperitamar, ópera teatral que fala da trajetória do músico por meio de atravessamentos da lógica temporal. Dirigida por Grace Passô, que assinou também a dramaturgia ao lado de Ana Maria Gonçalves.
Em 2019 Spike Lee ganha seu primeiro Oscar pelo filme Infiltrado na Klã.
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2001: Tinariwen estreia com o álbum “The Radio Tisdas Sessions” - MALI - 2003: Chimamanda Adichie lança seu livro “Hibisco Roxo” - NIGERIA 2001: Tinariwen estreia com o álbum “The Radio Tisdas Sessions” - MALI - 2003: Chimamanda Adichie lança seu livro “Hibisco Roxo” - NIGERIA 2001: Tinariwen estreia com o álbum “The Radio Tisdas Sessions” - MALI - 2003: Chimamanda Adichie lança seu livro “Hibisco Roxo” - NIGERIA
A obra de Itamar Assumpção segre abrindo caminhos e desbravando mares. É dele o privilégio de ser o primeiro homem negro brasileiro a ter um museu virtual, o MU.ITA.
Muito além de Via Embratel, as tecnologias pretas ancestrais de sobrevivência seguem sendo articuladas para que sua vida e sua obra sejam lembradas, conhecidas, reconhecidas e celebradas.
2020: George FLoyd é assassinado por um policial nos EUA - 2020: Negro Léo lança o álbum “Desejo de Lacrar” - BRASIL - 2020: George FLoyd é assassinado por um policial nos EUA - 2020: Negro Léo lança o álbum “Desejo de Lacrar” - BRASIL - 2020: George FLoyd é assassinado por um policial nos EUA - 2020: Negro Léo lança o álbum “Desejo de Lacrar” - BRASIL - 2020: George FLoyd é assassinado por um policial nos EUA - 2020: Negro Léo lança o álbum “Desejo de Lacrar” - BRASIL -
Quais outros caminhos a obra do velho Ita abrirá neste imenso universo que é a arte preta brasileira?
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